segunda-feira, janeiro 27, 2020

A POLTRONA - Filme e roteiro premiado







“A POLTRONA”


Roteiro premiado no Festival de Cinema de Curitiba e Prêmio de melhor ator no Festival de Natal. 








FADE IN :

Com fundo preto e letras em branco tipo manuscrito:

“A todas as Anas, Luizas, Lourdes e Marias que fazem das suas vidas um sacerdócio em benefício das vidas de seus maridos e filhos. E em especial a uma Maria que também é Lourdes, minha Mãe.”

 1 – CASA DE INÊS/LUIZ - CHURRASQUEIRA – INT./DIA

No fundo do quintal pequeno da casa de Inês e Luiz, existe uma construção (chamada de churrasqueira) com uma varanda/sala grande, numa das paredes laterais existe uma churrasqueira com uma pia e um balcão de ambos os lados. No meio da varanda/sala uma mesa grande rústica com bancos de correr dos lados. Nada nas paredes. Inês 59 anos, magra, vestida com roupas simples sem afetação, ar cansado está sentada numa poltrona no meio da varanda/sala.

INÍCIO DE FLASH BACK.

 2 – PORTÃO NA FRENTE DA CASA – EXT/DIA

Manhã de sol luminosa com sons de pássaros cantando, rua típica residencial. Luiz, 60 anos, marido de Inês, cabelo grisalho bem penteado, estatura média vestido de terno e gravata está saindo de casa através de um portão com grades. Ele carrega uma pasta simples. O muro também é de grades metálicas altas com pontas aguçadas. Inês está ajeitando a gravata de Luiz.

LUIZ
Inês, não se preocupe! Está bom !

INÊS
Tenho que me preocupar sim, Luiz.

LUIZ
(Saindo)
Mas não precisa exagerar.

INÊS
Não é exagero não!

LUIZ
Finalmente ! Amanhã acab tudo isto.

INÊS
Tudo bem, mas eu não vou deixar você andar mal arrumado. Tenho que cuidar bem do meu velho. Ainda mais agora que ele vai ficar todo o tempo do meu lado.

Luiz se despede dando um beijo na testa de Inês, esta faz um carinho nele. Enquanto Luiz fecha o portão e vai se afastando, Inês fica observando do lado de dentro agarrada nas barras do portão.

Roteiro de curta - “ACONTECEU NO NATAL”




“ACONTECEU NO NATAL” 

Roteiro premiado no Festival de Cinema de Curitiba. 
Copyright Ó 2.020
Todos os direitos reservados




FADE IN:
Ao som da música natalina “Jingle Bels” cantado por crianças, entram os créditos iniciais num fundo negro com letras tipo máquina de escrever em branco.

1 – INT. – ESCRITÓRIO/SALA RESERVADA – DIA
Vários funcionários de roupas formais e com idades variadas estão de pé à volta de uma mesa de trabalho grande, demonstrando a importância do cargo de quem trabalha ali. Observa-se na parede um calendário que marca o mês de Outubro. À mesa está sentado um homem ainda jovem de terno e gravata modernos, bem arrumado e com gel no cabelo. Ele está falando calmamente com ar grave, mostrando vários gráficos onde ele aponta colunas em cores vermelhas. A câmera corre pela sala com POV de um homem que apenas vemos de perfil em alguns momentos.

PERSONAGEM (OFF)
Tudo papo furado! Retração de mercado, hum hum estou sabendo, globalização, redução de custos... Já entendi... Esse filme eu conheço. Vem aí mais um facão!

HOMEM SENTADO
(Som baixo sobreposto pela voz off do Personagem)
Vocês entendem... Precisamos ser pró ativos...

PERSONAGEM (OFF)
Quem será que vai desta vez?
Porra, o clima vai ficar uma merda. Todo o mundo com o cu na mão tentando livrar o seu e ferrando com os outros.

HOMEM SENTADO
(Som baixo sobreposto pela voz off do Personagem)
Todos somos profissionais... Novas diretrizes da matriz... Confio na vossa compreensão...

PERSONAGEM (OFF)
Será que vou me safar? Ele já tem a lista de quem vai cortar, a reunião é só para preparar o clima.

 HOMEM SENTADO
(Agora claramente)
É isso ai gente, vamos arregaçar as mangas e trabalhar mais ainda para virar o placar, o jogo ainda não terminou, está só começando o segundo tempo. Eu sei que está difícil, mas podem confiar em mim, não vamos demitir ninguém.

HOMEM SENTADO
(Continua após silencio geral)
Bom, vamos lá, animo gente. Por enquanto é só isso. Obrigado pessoal, qualquer coisa eu mantenho vocês informados.

(Após um instante, com colegas já começando a sair)
Ah ! Vocês já sabem, aporta de minha sala está sempre aberta.

Todos vão saindo da sala silenciosos. A expressão é de preocupação em todos, com exceção de um, que olha para o Personagem meio sorridente.

PERSONAGEM (OFF)
Não agüento mais este clima. Acho que vai ser até bom se o meu nome estiver na lista. Estou de saco cheio. Olha só o Nilton! Esse puxa saco filho da puta está tranqüilo, encobre os xunxos do homem...

2 – INT. – ESCRITÓRIO – DIA
Personagem arruma as coisas pessoais da mesa de trabalho numa caixa de papelão. Vai olhando seus objetos que revelam a sua carreira na empresa. Fotos, memos, pastas, etc. Sempre vemos o POV do personagem. Percebe-se decoração de Natal nas paredes.

PERSONAGEM (OFF)
Agora foi a minha vez. Que presentão de Natal... Eu já imaginava, esse filho da puta nunca foi com a minha cara...
Até que foi bom. Não agüentava mais esta merda. Chega de aporrinhação... Agora vou dar um tempo... Descansar um pouco, cuidar da saúde... No final do ano, não acontece nada mesmo... Em Março depois do Carnaval tenho certeza que vou conseguir alguma coisa. Emprego nunca foi problema para mim.

3 – INT. – SALA DE ESTAR – DIA
Sala de estar de uma residência de classe média, Personagem de costas vestido com roupas informais de verão brinca com os dois filhos de 6 e 7 anos.

ESPOSA (OFF)
Bem, você já olhou o jornal de hoje?

CORTE PARA ESPOSA ENTRANDO NA SALA.

Mulher jovem vestida com roupas informais entrando na sala.



PERSONAGEM
Já olhei.

ESPOSA
E daí?

PERSONAGEM
Não tem nada para mim.

ESPOSA
E na Internet você já se cadastrou ?

PERSONAGEM
Sim já me inscrevi em todos eles. Você sabe disso !

4 – INT. – QUARTO – DIA

Quarto decorado de maneira simples. Personagem deitado na cama debaixo de cobertas e de costas para câmera. Do lado da cama em cima de um criado mudo o relógio marca 10:40 horas. Eles vestem roupas de inverno.

ESPOSA
(Na porta do quarto)
Bem, você já viu que horas são?

CORTE PARA POV DO PERSONAGEM
POV do personagem que olha silencioso para a parede lisa do quarto.
CORTE PARA ESPOSA
ESPOSA
Você não pode ficar assim parado sem reagir. Como é que nós vamos fazer?

PERSONAGEM
(Perfil do personagem que não se mexe, continua olhando para parede)
Você sabe muito bem que estou tentado nestes meses todos. Já respondi mais de vinte anúncios e nada. Já fui a todos head hunters da cidade.

ESPOSA
(sentando na cama)
Eu sei Bem. Mas precisamos pagar as contas. Tem que haver uma solução! Você precias tentar

PERSONAGEM
(Ríspido)
Que solução?! Eu não sei qual? Cansei de participar de dinâmicas de seleção. É sempre a mesma coisa e nada de emprego.

ESPOSA
Tudo bem. Mas e os outros como é que fazem? Nós não temos mais nada para vender.

PERSONAGEM
Não me interessa os outros. O problema é comigo.

ESPOSA
Você é que está dizendo isso. O que eu sei é que não posso pedir mais dinheiro para o meu Pai. Ele já está cobrando, se é para ele nos sustentar, não precisava me casar.

Personagem permanece silencioso e olhando a parede.POV do personagem.

 

5 - INT. – SALA DE ESTAR – DIA
Personagem de costas fala ao telefone.

PERSONAGEM
Você tem certeza mesmo, que não paga?

PERSONAGEM
(Após um momento)
Sim, mas o valor é alto.

PERSONAGEM
E se for acidente?

PERSONAGEM
(Desligando o telefone)
OK. Muito obrigado.

6 – INT. – SALA DE ESTAR – DIA
Personagem, de costas, sentado no sofá observa a esposa e os filhos montando o pinheirinho de Natal.

FILHO MAIS VELHO
Pai, olha que bonito que está!

PERSONAGEM
(Chateado)
Hum, hum.

ESPOSA
(Animada)
Bem, não fica assim, ele não tem culpa da situação. Você tem que entrar no espírito de Natal.

PERSONAGEM
Que espírito de Natal? Que é isso? O Natal é só uma festa comercial. É só para gastar dinheiro com presentes.

ESPOSA
(Conciliadora)
É comercial para quem encara dessa maneira. Temos que acreditar que mesmo magrinho, o Papai Noel existe e traz esperança.

FILHO MAIS NOVO
É Pai, eu já fiz a minha carta, desta vez só estou pedindo um presente.

PERSONAGEM
(Desanimado)
Papai Noel? O que é isso? Para mim o Papai Noel não existe faz tempo! O presente que eu preciso ele não pode me dar.

ESPOSA
Bem, não precisa ficar tão azedo. Você vai dar um jeito. Tenho certeza, você costuma arrumar solução para tudo...


PERSONAGEM
(Levantando-se e dirigindo-se para a porta)
A única solução que tenho agora é sair... Vou dar uma volta.

ESPOSA
(Dirigindo-se para os filhos)
Não se preocupem meninos, seu pai sabe o que faz.O Papai Noel sempre veio, tenho certeza que este ano não vai ser diferente.

7 - EXT. - INTERIOR DE ÔNIBUS – DIA
POV para fora do ônibus de um passageiro que está sentado à janela. Vê-se que estamos na época do Natal pela decoração das lojas. Movimento na rua com as pessoas carregando sacolas. Movimento de câmera para POV do passageiro agora dentro do ônibus para os outros passageiros. Todos estão quietos, carregando sacolas de presentes e com fisionomias alegres.

8 - EXT. - INTERIOR DE ÔNIBUS – DIA
POV do Personagem se dirigindo para a porta do ônibus, passando pelo corredor com outros passageiros também de pé.

PERSONAGEM (OFF)
Chega, não agüento mais. Estou cansado.

9 - EXT. – RUA – DIA
Vemos personagem, sempre de costas ou em POV caminhando por ruas da cidade mostrando ele passando por uma igreja e olhando lá para dentro. Continua caminhando no meio das pessoas da calçada indiferentes.

PERSONAGEM (OFF)
(Enquanto personagem caminha)
Não adianta recuar, já está decidido... Ninguém pode me ajudar...

10 - EXT. – À MARGEM DE UMA RODOVIA DE DUAS PISTAS – DIA
Personagem vai caminhando no acostamento de uma das pistas no mesmo sentido do trânsito, onde se vislumbra o recorte da cidade de Curitiba ao longe, em grande plano e luminoso. Passam carros e carretas em alta velocidade. Personagem continua caminhando cabisbaixo. Toca o celular, ele olha, verifica que está marcado no visor Mãe e ele não atende. Passado tempo toca o celular de novo, mostra no visor que é de casa, ele não atende.
POV do personagem mostrando que ele entra na pista de rolagem da rodovia, passam carros e carretas se desviando dele buzinando e fazendo gestos. Continua o horizonte da grande cidade. Ele entra mais para o meio da pista, som de freada brusca, buzina contínua, som de batida e câmera roda rápido para cima mostrando POV do personagem sendo atropelado e corte brusco para tela negra.
Após 2 segundos.

Fade IN:
Tela negra com letras tipo máquina de escrever em branco:

“Todos os homens quando nascem têm dois caminhos, o da submissão que os esmaga e deteriora ou o da estrela que ilumina, mas mata”.
                         JOSÉ MARTI
Revolucionário, herói e escritor Cubano.

 

FIM




Roteiro de curta - CENAS DO COTIDIANO, Só mais 5 minutos ...




Um roteiro de António Albano B Moreira


Copyright Ó 2.019
Todos os direitos reservados   


                                                           
O filme é um plano seqüência com elipse de tempo no ajuste do relógio que está sobre o criado mudo. Ao longo do tempo de filmagem a luz que ilumina o quarto através da cortina translúcida da janela vai aumentando gradualmente até iluminar completamente o quarto de forma difusa.

FADE IN :

INT/AMANHECENDO – QUARTO DO CASAL.

Numa cama estão dormindo, do lado direito Carlos o marido, 36 anos (vestindo calças de moleton e uma camiseta velha como pijama) e Júlia a mulher, 33 anos (vestindo pijama comum feminino),  debaixo de cobertas não muito grossas. Móveis, estante com TV, aparelho de TV a cabo ligado, DVD com o mostrador digital piscando. Livros (variados de ficção internacional, administração, informática, sucesso na carreira, autoajuda, Bíblia), criados mudos dos lados da cama com fotos dos filhos do casal (2 meninas de 9 e 7 anos e um menino de 3) e objetos pessoais (relógio, pulseiras,etc.). Telefones celulares estão carregando, um de cada lado da cama. Algumas roupas um pouco desorganizadas em cima de uma cadeira num dos cantos, revistas (Isto É, Exame, Pequenas Empresas Grandes Negócios, Você S.A., Casa Claudia, Nova). Uma janela com cortinas na parede lateral em relação à cama, deixa transparecer que está começando o dia, ainda escuro. A câmera vai dando uma panorâmica geral do quarto de forma lenta (sem se perceber muitos detalhes) enquanto passam os créditos. Silêncio total. Pan termina no relógio despertador que está no criado mudo do lado onde dorme Carlos, marca 6:14. Câmera se fixa no rádio-relógio despertador. Três segundos depois o despertador marca 6:15 e toca estridente. Ninguém se mexe. Despertador volta a tocar.

JÚLIA

(Sacudindo o marido)
Acorda, está na hora..

CARLOS

Hummm o que é?!


JÚLIA

Levanta! Está na hora, o despertador já tocou duas vezes.

CARLOS

Já!! Puta merda, parece que eu acabei de deitar.

JÚLIA

Para de reclamar e levanta.

(Após alguns segundos de silêncio.)

Você não escutou? Carlos acorde, você vai chegar atrasado de novo!

CARLOS

Porra Júlia. Para de encher... Esta semana não cheguei atrasado nenhum dia.

JÚLIA

É, hoje é segunda.

CARLOS

Tá certo, mas ontem levantei muito mais cedo que o normal, sem precisar do despertador.

JÚLIA

Ontem era domingo e você foi pescar, já esqueceu!

CARLOS

O Zé Pedro é que tem razão. A vida é uma sequência interminável de lutas para acordar cedo, separadas por pequenas ilhas de 2 dias onde você perde a batalha de dormir até mais tarde.

JÚLIA

Para de filosofia barata e levanta logo.

CARLOS

Que saco! Dá tempo! Ainda tenho uma folga. Só preciso levantar às 6 e 45, o despertador está no automático, vai tocar de novo. São só mais 5 minutos.

JÚLIA

Eu não entendo! Então porque não regulas logo para despertar às 6 e 45 em vez de ficar essa encheção de saco de tocar de 10 em 10 minutos.

CARLOS

Vocês mulheres não entendem, O melhor sono são estes 5 minutos de vitória sobre o despertador, é só para ter o prazer de ficar mais um pouco.

JÚLIA

OK, você é que sabe, eu já fiz a minha parte..... Depois não diz que eu não chamei.

Câmera se desloca pelo quarto, mostra detalhes do ambiente e enquadra o relógio de novo, marca 6:24. Após 3 ou 4 segundos toca de novo ao marcar 6:25 hrs.

JÚLIA

(sacudindo Carlos)

Toco, Toco, acorda.

CARLOS

(Irritado)
Que é?!

Ele vira o braço e desliga o despertador.

JÚLIA

Acorda! Será possível que vou ter que ficar aqui te chacoalhando toda a hora? Não dá né Toco!

Ele estende o braço e pressiona o botão do rádio relógio parando o som.

 

 

 

CARLOS

(Irritado)
Tá bom, já acordei. E por favor para de me chamar Toco toda a hora. Você se acostuma e depois acontece como no sábado na pizzaria.

JÚLIA

O que é que tem a pizzaria?

CARLOS

Já esqueceu que me chamou de Toco na frente de todo o mundo, agora os caras vão ficar pegando no meu pé.

JÚLIA

Mas porquê? Não fiz nada de mais!

CARLOS

Não?! Eles vão começar a inventar porque você me chama desse jeito.

JÚLIA

E daí? Só eu sei o motivo. Você não liga e pronto.

CARLOS

Para você tudo é fácil. Já pensou se eu começo a chamar você de Peludinha por aí?

JÚLIA

Nada a ver, é diferente.

CARLOS

Diferente como?

JÚLIA

Ai já dá para imaginar o porquê.

CARLOS

É, pode até ser, mas quem vai ter que aguentar a gozação lá na empresa sou eu.

JÚLIA

Tá bom, tá bom, foi sem querer. Venha cá, se encoste em mim, quero sentir o meu Toco.

Carlos se abraça em Júlia, ela continua voltada para o outro lado. Ficam quietos e silenciosos. Câmera se desloca devagar e corta ao enquadrar a parede lisa.
Câmera na panorâmica volta a enquadrar o relógio no momento que ele está marcando 6:35 e começa a tocar. Carlos tira o braço das cobertas e trava o relógio tateando à procura do botão certo.

 

CARLOS

(Se espreguiçando)
Hummm .... agora tenho que levantar.

Ele tira as cobertas de cima dele e se vira, colocando os pés para fora da cama. Fica sentado. Se espreguiça novamente, olha o relógio, olha para entre as pernas,  coça as genitálias, se vira, fica olhando a Júlia um pouco e volta a se deitar. Se cobre, vira-se para o lado da Júlia e a abraça. Ela está deitada de costas para ele.  Se nota que ele começa a acariciá-la por baixo das cobertas. Ela se mexe e tenta se afastar. Ele continua a agarrá-la.

JÚLIA

Que foi? Para, Carlos.

CARLOS

Vamos aproveitar e dar uma transada?

JÚLIA

Não, para, agora não.

CARLOS

Há pouco você não pediu para sentir o teu toco?

JÚLIA

Sim, eu pedi, mas foi só para sentir o teu abraço, mais nada.

CARLOS

Não consigo entender você.

Ele continua a acariciá-la.

JÚLIA

Para com isso Carlos, já é tarde, não vai dar tempo, você vai se atrasar.

CARLOS

Ah, vamos lá, dá tempo sim é só uma rapidinha.

JÚLIA

Não.

CARLOS

Uma transadinha rápida.

JÚLIA

Aí é que está o problema.

CARLOS

O que é que tem?

JÚLIA

Eu conheço muito bem as tuas rapidinhas, quando eu começo a acordar você já está saindo.

CARLOS

Mas Môr! Eu prometo que vou me controlar.

JÚLIA

Hi meu filho, esse teu papo não cola mais...

CARLOS

Ah Júlia, cadê a minha Peludinha hem?

Ele beija a nuca da mulher e continua com as carícias.

JÚLIA

Não, não estou a fim, para. Porque você não levanta logo de uma vez e me deixa dormir em paz.

Carlos se vira para o outro lado bruscamente.

CARLOS

Tá bom. tá bom, não adianta mesmo... que merda!
Como as mulheres são complicadas! Para uma transadinha de nada precisa fazer uma solicitação formal com firma reconhecida.

Eles voltam a dormir enquanto a câmera se desloca lentamente pelo quarto até enquadrar a parede. Câmera continua o deslocamento pelo quarto até  enquadrar o relógio que agora marca 6:45. Toca o despertador novamente. Depois de alguns segundos, Júlia se agita.


JÚLIA
(sacudindo o marido)
Carlos, Carlos, acorde!

CARLOS
Ok, Ok já acordei..

(após alguns instantes)
É foda!

JÚLIA
O que foi agora?

CARLOS
Aquela empresa. Só de pensar que  vou encontrar aquele chefe de merda, já perco o tesão de levantar.

JÚLIA
Pronto, já começou a reclamação. Será que não dá para você sossegar desta vez.

CARLOS
Não estou reclamando.

JÚLIA
Então o que é?

CARLOS
Puxa, a gente se rala todo e é este o incentivo que recebe. Vocês mulheres não entendem. Não vou comentar mais nada com você.

JÚLIA
Vocês homens é que vivem reclamando e depois nós que levamos a culpa.

CARLOS
Que começo de semana. Depois querem que a gente seja positivo, bem humorado e simpático. Assim fica difícil.


JÚLIA
Não é isso. É que quando você começa com essa enrolação para levantar, já sei o que vem por ai, esse filme eu já assisti.

CARLOS
Que filme! Não tem filme nenhum.

JÚLIA
Das outras vezes também começou assim. E o resultado você já sabe.

CARLOS
Eu sei, eu sei. Quem se fodeu fui eu. Mas será que você não entende que eu tenho direito de trabalhar num lugar que me sinta bem?

JÚLIA
Tem sim.

CARLOS
Então, porque você fica ai me criticando!

JÚLIA
Já estou achando que o problema é você. Sempre está insatisfeito. Agora nem nos primeiros meses está bom.

CARLOS
O meu problema é que não sou acomodado como os outros. Não fico bajulando nem aceitando tudo quieto. Eu acho que pode ser diferente.

JÚLIA
Mas você já não viu que até agora você só se ferrou por causa dessa sua mania.

CARLOS
Não posso fazer nada, eu sou assim mesmo. Não vou desistir. Ainda vou achar uma empresa igual aquelas que a gente vê nessas reportagens.

JÚLIA
Que reportagens?

CARLOS
Essas reportagens que mostram empresas onde tudo é ótimo, até o chefe é legal. Queria achar uma dessas.
JÚLIA
E será que isso tudo não é só papo furado?

CARLOS
Também estou achando. Essa conversa de administração participativa, empreendedorismo é tudo papo de consultor para aparecer nas reportagens. Na prática mesmo a empresa é o teu chefe e o resto é conversa fiada.

JÚLIA
Então, está vendo como eu tenho razão. Agora para você com esse papo furado e levanta logo senão você vai se atrasar.

CARLOS
Ainda dá tempo. Só mais uns minutinhos.

Eles ficam silenciosos e a câmera enquadra uma parede para fazer o corte. Ao voltar do corte apenas se escuta a respiração do casal, a câmera vai girando lentamente pelo quarto até enquadrar a cama do casal, os dois corpos debaixo das cobertas, um para cada lado. Relógio do criado-mudo marca 7:08 hrs. Carlos levanta o corpo de repente, fica sentado na cama e se vira para o relógio para ver as horas.

CARLOS

Puta merda!! Sete e oito! Já me atrasei de novo!

Carlos se vira e fica sentado na cama olhando o relógio e a esposa.

CARLOS

Agora não dá mais para chegar no horário, vou levar bronca. Bronca por bronca, vou deitar de novo, estou atrasado mesmo.

Carlos volta a deitar. Se encosta na Júlia que está voltada para o outro lado.

CARLOS

Júlia ... Môr ... Peludinha ... Vamos aproveitar... já estou atrasado mesmo...

JÚLIA

Hemmm ? Lá vem você de novo ... Para com isso ...

Carlos acaricia a mulher e tenta beijá-la. Ela se livra do abraço e afasta-se dele.

CARLOS

Agora vai dar tempo, já passou da hora. Se você chega atrasado só 10, 15 minutos, tá na cara que você dormiu demais. É melhor se atrasar bastante. Aí dá para arrumar uma desculpa qualquer.

Carlos acaricia Júlia e continua tentando se abraçar nela. Ela rejeita-o.

JÚLIA

Para ... para Carlos, já falei, quero dormir... então foi por isso que você se atrasou...

Ela puxa as cobertas, se tapa e se afasta do marido.

JÚLIA

Me deixa dormir... agora não, já falei que não estou a fim. Porque você não vai ao banheiro fazer xixi que isso passa!

 

Carlos se vira, olha o relógio, joga as cobertas para o lado e senta na cama.


CARLOS

(Olhando para a câmera)
Que merda, eu sabia que não ia ser uma boa semana. Vida de empregado é assim mesmo, sempre se ferrando ...

Ele levanta da cama e sai.

FIM